20 outubro 2006

28. A POÇA DO RINO

No parque de campismo de Halali, uma das três ilhas cercadas da vida selvagem dentro do Parque Nacional Etosha, há um santuário. Está marcado, na planta entrega à entrada, um tracejado que se percorre a pé até um local chamado Rino's Pit.
Chegámos ao parque às 17:00 torrados pela insolação brutal com que o Etosha brinda os seus visitantes nesta época do ano. Depois de montadas as tendas, pelas 18:30 e aproveitando um certo refrescar de fim de tarde, fomos até à poça do rino.
O local assemelha-se a uma península, em forma de promontório rochoso. Um anfiteatro natural abrigado do sol e do vento, sobranceiro à planície, debruçado sobre o idílico charco do rino. Ao chegarmos, silêncio. Algumas pessoas dispersas sobre as rochas quentes esperam serenamente avistar algo. Abancamo-nos também. De momento, nada. Nem uma mosca. Apostámos entre nós a que horas e que animal apareceria. Perdemos todos. Anoiteceu e nem um vislumbre. Os espectadores iam e vinham da península para o parque como que em peregrinação. Fizemos o mesmo, às 20:00 voltámos ao campo para jantar.
Regressámos às 21:00. Luzes rasteiras iluminavam o caminho e um holofote disparava sobre a poça de água. De resto tudo igual, nada portanto. A certa altura uma coruja agita a noite atacando um grande insecto voador que cegava em frente ao holofote. Mais meia hora em silêncio a olhar para um charco vazio, nós e mais dez ou quinze humanos ali sentados com as câmaras fotográficas em stand by.
Por esta altura começo a pensar que esta é uma experiência religiosa. As pessoas estão aqui porque têm fé. Têm fé que serão abençoadas com o avistamento de algo extraordinário. Emociono-me com o momento. Sinto que o extraordinário é toda esta gente estar aqui à espera que nada aconteça. Mas, num segundo e para meu espanto, acontece.
São 21:30! Vindo do lado esquerdo do palco, entra em cena um rinoceronte. Vem pausadamente, como que desconfiado. Atravessa o charco pela retaguarda e, talvez alarmado com um relâmpago longínquo estaca. Fita a assistência de frente com o seu olhar míope. Inverte o sentido de marcha, dirige-se para a água e bebe. A quietude sonora da cena é interrompida por uma expiração ruidosa do bicho. Ouve-se, agora vindo do lado direito, um resposta com um fungar semelhante. Descortina-se um novo rinoceronte e este vem acompanhado de uma cria. Junta-se a família à volta do laguito.
Estou abismado, boquiaberto. O estranho é que as pessoas a meu lado não estão. Entre um bocejo e um gole na cerveja, vão disparando fotos nos seus canhões e tirando apontamentos. Começo a perceber. São cientistas que encaram mais uma noite de trabalho na rotina que deve ser a visita dos rinos àquele charco.
Saímos de lá às 22:00 com a barriga cheia de rinocerontes mas com a religiosidade vencida pela ciência.


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