24 outubro 2006

34. O NOSSO OKAVANGO

O rio Okavango nasce em Angola e é um rio especialmente generoso porque faz andar as suas águas por terras áridas, desertas que quase nunca vêem chuva. Por tão generoso, não espera pelo oceano para se alargar numa foz abastada. O rio Okavango desagua no norte do deserto do Kalahari, em profundo interior do continente, desfazendo-se num rendilhado de canais e lagoas que permite vida ali onde ela seria mais improvável do que a súbita queda de uma garrafa de coca-cola dos céus. E ali se fixaram aldeias, pescadores, árvores e animais.


As visitas ao coração deste curioso delta são feitas a partir do Botsuana que implementou uma rede de turismo de custos acima dos países seus vizinhos. Pretende crivar os turistas, recebendo apenas com grande luxo quem o venha visitar, e deixar muitos Pulas (moeda nacional que significa Chuva).
Para nós, entenda-se dois estrangeiros poupadinhos, sem carro e sem tour, com material de campismo reduzido a uma tenda, colchões e sacos-de-cama havia, grosso modo, duas possibilidades de chegar ao centro do delta. Apostámos numa e chegámos a um beco sem saída e sem poder voltar a trás. Ficámo-nos pelo acampamento no turístico Ngepi Camp com uma bela vista para o Okavango ainda gordo, na entrada do que chamam o Panhandle do Okavango, antecedendo o respectivo Delta.


Entre Sábado e Terça, três dias inteiros, aproveitámos para pôr a roupa em dia, para actualizar a escrita e para planear a próxima etapa da viagem (adiante exposta). Mas também descansámos, refizemo-nos de noites tortas em cadeiras de buses e de acordares precipitados ainda em madrugada.
Tarefas e descansos à parte passámos algumas horas a olhar para a água deste rio procurando hipopótamos. Do nosso lote de campismo ficámos a conhecer um trio deles que diariamente se banha de cima para baixo e vice-versa. Um deles está mais à parte, os outros dois têm grandes manifestações de amor abrindo aquela bocarra, zurrando, expelindo com ruído ar e água e sacudindo as orelhas repetidamente. É descobrir uma interrupção na ondulação lógica do rio e esperar que, numa cadência lenta, ascendam duas orelhas espetadas, dois olhos esbugalhados, e duas narinas largas. E passam-se meias horas sem darmos por elas.



o nosso estendal; ioga junto à tenda; o hipo à vista ou portugas à vista?


Ontem embarcámos num mokoro com o Christopher e fomos Okavango abaixo. Para quem sabe, calculará e acertará que eu ia cheia de medo. Para além daquela água sem fundo, da fragilidade do mokoro que é equilibrado apenas pelo remador, ainda há crocodilos a ajudar ao ambiente. Mas o medo passou rápido, bastou que o Christopher começasse a apontar para o ar, para as árvores, apresentando as aves locais! Impressiona-me cada vez mais a diversidade com que a natureza subsiste aqui na África. Em Caprivi, esta região verde, há tantos tipos de pássaros e tantas árvores diferentes como nunca vi. Vimos águia-pesqueira africana, ganso-do-egípto, sneaker (um tipo de guincho, parece-me), um outro tipo borrelho, umas andorinhas de asa vermelha, um king fisher preto e branco, um abelharuco pequeno... bem, mas passo ao mais conhecido: o hipopótamo! Tivemos o privilégio de espreitar uma manada de hipopótamos que estava de molho, a preparar-se para assistir ao pôr do sol! O Christopher levou-nos até eles pela margem de uma ilha. Finalmente conseguimos ver mais do que a sua cabeça espreitando! São tão grandes e pesados que parece impossível que nadem tão rápido. A mim parecem-me estes umas verdadeiras vacas de água. São vegetarianos e tudo! Assim de perto, os zurros de amor ressoam nos ouvidos e ganham alguma agressividade. O melhor: os bocejos contagiantes que estes animais se fartam de dar!
Daqui rumámos no mokoro Okavango a cima até ao campo. O nosso mighty Okavango não chegou a desmanchar-se em delta... mas encheu-nos a barriga e cá fica. Ora então, aqui regressaremos um dia com os miúdos, para uma viagem de mokoro em várias noites!
Amanhã voltamos à rotina. E para recuperar o ritmo toca lá a acordar às 4:45!




nenúfares, águia-pesqueira "fish-eagle", bocejo; Christopher, Jota e o mokoro

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