25 outubro 2006

36. AS PEGADAS DE G.C.


É em Livingstone, na Zâmbia, que deixamos de pisar chão há pouco tempo palmilhado por Gonçalo Cadilhe e, portanto, ainda fresco na memória dos leitores das suas crónicas semanais no Expresso. Daqui, G.C. foi por Angola acima e nós vamos pela Zâmbia adentro.
Os nossos trajectos, o nosso e o dele, apesar de muito distintos no tempo e no espaço coincidiram em determinados locais. Inesperadamente, acabámos por passar pela Cidade do Cabo e pela península do Cabo da Boa Esperança, vértice carismático para nós portugueses, de onde G.C. iniciou a sua viagem (edição de 6 de Abril). Na Namíbia, na adolescente cidade de Swakopmund (edição de 24 de Junho) e na capital Windhoek (edição de 1 de Julho) igualmente se cruzaram os nossos percursos. A reportagem de 28 de Agosto, das Cataratas de Vitória até Tsumeb, no bus da Intercape, finalizou os pontos de contacto. Fizemos esse mesmo caminho no sentido inverso.
Estes acontecimentos nada têm de extraordinário ou propositado. Todos estes sítios são especialmente visitados por turistas e quase uma inevitabilidade para quem está condicionado pela mobilidade dos transportes públicos. Uma banalidade nas brochuras dos muitos agentes turísticos que, para surpresa minha, proliferam por este sul de África. Fomos, num certo sentido, previsíveis e conservadores, e não concretizámos algumas ideias que tínhamos.
Teria sido engraçado confrontar Jan, o caixeiro-viajante, na sua nova pensão em Withei (edição de 15 de Julho) com as folhas do Expresso em referência. Bem como o teria sido se tivéssemos encontrado o guia barqueiro Beni na sua aldeia de Boro perto de Maun, no Delta do Okavango (edição de 29 de Julho) ; ou ainda a senhora Agnes na sua banca de venda de café em frente à estação de caminho de ferro de Francistown, no Botsuana (edição de 5 de Agosto). Tudo isto teria sido possível mas, não se proporcionou. Paciência.
Tenho contudo um remorso que não abona na atenção com que li as crónicas de G.C. Falo do episódio em que G.C. dorme numa pensão/carruagem de comboio a meio caminho ente Windhoek e Swakopmund (edição de 24 de Junho). A idosa dona da pensão revela a G.C. "que tem um tesouro: uma miniatura do navio de Bartolomeu Dias, que o próprio deixou com os aborígenes da região, em troca de alimentos. Diz que encontrou este tesouro numa gruta." A revelação afinal não se concretiza e a velhota, perante a insistência de G.C., remata que poderão ser vistas "fotografias da miniatura, nas tabuletas ilustrativas da viagem de Dias que estão no Cabo da Cruz", mas por onde G.C. acabou por não passar para desvendar o mistério.
Ora, nós estivemos lá, no Cabo da Cruz, onde Diogo Cão chegou em 1484 e erigiu um padrão de pedra com as insígnias portuguesas da época. Lá estivemos, no suposto museu onde estaria a foto da miniatura. O museu é na realidade um gasto e seboso casebre de madeira erodido pelo oceano atlântico. Lá estivemos, vindos de uma travessia desgastante da inóspita costa dos esqueletos. Lá estivemos... vimos fotografias apagadas pelo tempo, e não reparámos se lá estava ou não a foto esclarecedora. Falhámos. No momento não tinha presente a crónica e a oportunidade perdeu-se. Adensa-se o mistério, que fica para ser deslindado por um(a) português(a) mais atento(a) que visite o padrão de Diogo Cão...



a réplica do padrão de Diogo Cão no Cabo da Cruz

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