03 novembro 2006

45. CUAMBA - NAMPULA DE FERROCARRIL

Moçambique tem, para a sua dimensão e condição africana, uma extensa rede ferroviária. Olhando no mapa constatamos: no Sul, ligações de Maputo a Joanesburgo e a Bulawayo; no Centro, da Cidade da Beira a Harare e a Blantyre; e no Norte, de Nacala a Lichinga. Se, no mapa, nos regozijamos com a extensão das linhas, "fora dele" ou seja no terreno, decepcionamo-nos com a realidade encontrada. A maioria das linhas ferroviárias encontram-se desactivadas (muitas destruídas em consequência dos anos de guerra civil), e as que ainda não o estão, apenas efectuam ocasionais serviços de mercadorias.
Assim, não se perspectiva grande futuro, a médio prazo, no mundo dos carris. O que é facto é que não é uma prioridade governamental, e percebe-se bem. O transporte rodoviário é mais rápido e mais barato de desenvolver, e a economia de mercado dos automóveis colectivos em Moçambique, como em toda a África, impôs-se desde os dias das independências e é, agora, quase cultural.
Excepção a este destino e exemplo de resistência, é a ferrovia Cuamba-Nampula. Entre estas duas cidades efectua-se um comboio de passageiros, dia sim, dia não. Há dois anos era um serviço diário, mas uma inundação provocou um acidente onde ser perderam duas locomotivas, desta forma reduzindo o stock a um único comboio disponível, que agora funciona em contínuo vai-e-vem.
Na passada segunda-feira partimos às cinco da manhã de Cuamba. O dia amanhecia luminoso. Que deslumbramento de paisagem aquela que rodeia Cuamba e todo o resto do caminho! Uma planície verdejante pontuada por rochedos gigantescos rompendo a terra com formas extraordinárias. Sentimo-nos como que a olhar para um futuro parque nacional fabuloso. Cuamba tem às suas portas um Torres del Paine em potência!
Perguntei a um passageiro se esta linha também acabaria logo que a péssima estrada existente fosse recuperada ao que ele respondeu que não. Que as pessoas já se habituaram ao comboio, que nas paragens se comercializam mangas e cebolas e tomates, e que, portanto, não deve acabar. Seria impopular.
Assim o esperamos também nós, a bem da diversidade e da salvaguarda da memória de outros tempos; a bem de um sinal de evolução no universo de subdesenvolvimento que, convenhamos, caracteriza o sistema rodoviário dominante.




o amanhecer no torres del paine de Cuamba; janelas abertas e fechadas

2 comentário(s):

Anonymous Anónimo disse...

Já nem digo as cebolas e os tomates, mas as mangas... Porque não há disso entre Vila Franca de Xira e Entrecampos? Ou na linha de Sintra? Ou do Estoril? E que é mais estúpido, é que se fizermos uma sugestão destas à CP, ainda são capazes de pensar que estamos a brincar!

12:41 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Estava a deliciar-me com as vossas fotos quando encontrei a do aviso... De imediato ocorreu-me o livro O Processo Civilizacional, onde o Norbert Elias dá conta da evolução das práticas de convivência em sociedade através dos livros de etiqueta e boas maneiras, um deles escrito pelo Erasmus... Muito curioso.

Dizes "a bem da diversidade", acrescento e não só... O comboio, para já, pode não parecer compatível com a eficácia, o lucro e outros valores das nossas sociedades que se globalizam e que estes países africanos perseguem no breve trecho. Mas o ambiente não beneficia com o comboio? Além disso, o transporte de mercadorias dificilmente se faz de outro modo em terra.

Eu cá gostava que o transporte rodoviário de passageiros em Portugal não se entranhasse na nossa cultura como está a acontecer, a julgar por exemplo pela viagem Lx-Viana cujo custo em comboio duplica agora o do autocarro. Questão certamente complexa...

7:43 da tarde